domingo, 13 de maio de 2012

Fausto



      Fausto entrou na sala com a calma que lhe era amiga. As paredes com tapeçaria importada e os móveis caros combinavam com seu humor. Os castiçais e abajures iluminavam o ambiente, criando sombras que brincavam com as estampas nas paredes. Sua parte favorita do cômodo. As cores se misturavam como se pertencessem umas às outras. Dourado, amarelo, vermelho... Vermelho, a cor da sua alma. Relíquias dos lugares visitados estavam na estante. Tantas lembranças se amontoavam num flash, que ele sentiu-se num trailer de filme. Sorriu.

        Ele continuou seu caminho até as escadas que o levariam a ela. O vitral deixava entrar pequenos feixes de luz, criando um espetáculo particular, como as luzes de um show de música. Ele subiu pelos degraus de pedra e podia ouvi-la gritar. Achava que a essa altura ela teria cansado, mas ela continuava a pedir ajuda, mesmo sem ninguém por perto. Fausto sentia as batidas do coração dela como se este estivesse sob seus dedos. Estava quase enfartando, com a adrenalina. Assim era melhor, o sangue saía mais fresco.

        Ele abriu a porta do quarto e ela se encolheu mais na parede. Estava histérica, despenteada, e com as roupas molhadas de suor. Nem um pouco parecida com o anjo que ele encontrou horas atrás. Tão facilmente enganável, como todos os humanos; ansiando tanto por contos de fada que acreditavam em qualquer baboseira que lhe diziam.  Aproximou-se, o coração dela criando músicas incríveis. Ela gemia de medo. O luar batendo no rosto do imortal deu-lhe uma aparência desagradável, mas a lua apenas revelava o monstro que ele era. E agora ela saberia disso.

       Fausto deu mais um passo em sua direção e ela levantou para se defender, mas tremia tanto que mal conseguia se manter em pé. Chorava e rezava baixinho, embora ele pudesse ouvir cada palavra. Ela não parecia muito religiosa, mas geralmente os deuses só eram necessários quando os humanos precisavam deles. Mas ninguém, exceto ele, podia livrá-la de seu desejo. Ele utilizou seu tom mais doce para tranquilizá-la. “Está tudo bem. Acalme-se”. Geralmente era tudo rápido, ela não sofreria muito. Mas, seu cheiro era tão doce que talvez ele não se controlasse. Provaria como prova um vinho desconhecido, sem demora. “Tão bom quando não temos que nos preocupar com a ética!”, ele pensou.

          Aos poucos, foi chegando perto dela, conforme seus gemidos de pavor aumentavam. Isso dava mais ânimo a ele. Mas, quando nem ele acreditava que era possível um humano surpreendê-lo, ela o fez. Sacou de trás da calça um pedaço de espelho, que ela deve ter escondido bem quando quebrou o quarto de sua casa, tentando se livrar dele. Ela avançou sobre ele e cravou a arma improvisada em seu pescoço. Ele urrou de dor e caiu sobre os joelhos, abrindo espaço para ela escapar. Ela correu para as escadas, com o sangue dele nas mãos. Tropeçou e quase caiu. Ele se levantou, sentindo o corte no pescoço. “Fascinante!” ele disse, rindo. Ouviu-a lutar contra as trancas pesadas do portão e vencê-las; saiu correndo pelo jardim, gritando por socorro. Fausto foi até a janela e sorriu, pulando no gramado. Esperou um pouco para dá-la vantagem, e correu em sua direção. Naquela noite, ele faria dela sua esposa. Para sempre.
       
        

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