segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Na sombra da amendoeira...



- E ninguém acredita quando eu digo que você tá solteira. Com esse poder todo na mão e tu aí, quietinha, na sombra da amendoeira...

- Hahaha!! Meu bem, quando alguém me tirar o fôlego  e desafiar minha razão, eu levanto e desbravo o mundo, com a gana de um leão. Mas, por enquanto, vou espalhando a alegria, vou bailando a melodia, que é pra não perder tempo, não.

- Mas, e o que eu falo se alguém se interessar?

- Diga-lhe que pode vir. Amigos nunca são demais, são como barcos e mais barcos coloridos, atados à beira do cais. O resto vem ou não com o tempo, pode ser trazido ou não pelo vento, ou levado ao além-mar.

- Mas, você não tem medo de a vida passar?

- A leveza é o segredo da vida. Pra que se apressar e se arrepender? Melhor aproveitá-la ao passar, sendo tudo aquilo que se pode ser. E, caso duvidares por um segundo do seu lugar no mundo, deixa o amor te guiar. Lembre da filosofia que diz: "O que tiver que ser, será."

domingo, 15 de julho de 2012

O que é ser poeta?


 

  Muitas vezes me perguntam o que é ser poeta. Como se houvesse uma definição plausível e tocável. Seria o mesmo que definir por que você é quem você é. Somos e pronto. Somos e ponto. Ser poeta é ser intenso em cada momento. É ser movido pela paixão, seja ela de que natureza for. É dizer "Seja bem vinda" à melancolia. É abraçar o sofrimento como aquele amigo que já é de casa e com ele abrir o canal da criação e fazer arte. Afinal, as melhores obras saem dos momentos difíceis. 

    Ser poeta é ver perfeição nos detalhes de uma flor, de uma pegada no chão, de um raio de sol que entra pela fresta da janela ou na covinha de um bebê. É conseguir mudar a lente do olhar e perceber direções diversas pra um mesmo caminho. É viver em constante discussão com os grandes temas do universo, paralelos às crises existenciais e de TPM. É questionar toda e cada coisa, e sofrer com as dúvidas geradas por esse questionamento.

    Ser poeta é também ser leve. E livre. Aceitar a vida como ela é. Entender que os erros são necessários e inevitáveis. Já aceitá-los, de bom grado ou não, é outra história. 

    Ser poeta é ser louco. Insano, doido mesmo. Daqueles que riem sozinhos na rua, que cantarolam a música predileta, que sentem o peito pegar fogo com amor não correspondido, é viver de ilusões e se perder em sonhos. É voltar à terra rápido, mas ter a habilidade de deixar a ponte erguida, pra quando puder, voltar pra Fantasia. 

    Ser poeta é, enfim, ser. E transformar essa existência em palavras, pra que outras pessoas "sejam", também.

domingo, 13 de maio de 2012

Afinal, o que é o tempo?




           Hoje acordei querendo falar sobre o tempo. Essa indefinição constante que é. Essa não-permanência que é. Sim, porque há tantas definições pra tempo e, ao mesmo tempo, nenhuma lhe define realmente. Há tempo curto, tempo longo, tempo histórico, tempo cronológico, tempo espiritual, tempo cósmico, tempo existencial, tempo, tempo, tempo. E há, principalmente, a falta dele. Ouvi uma vez que o que nos falta é organização desse tempo. O problema é que mesmo organizando nossa agenda, o período que nos sobra logo é preenchido com alguma atividade extra, ou uma das atividades regulares, que apenas formalizamos ao agendá-las pra nós mesmos.

        Este século nos trouxe a praticidade como ferramenta para ganharmos tempo, mas no dia-a-dia vemos que não funciona exatamente assim. Não precisamos lavar roupa; temos uma máquina que faz isso. Não precisamos lavar pratos; a lava-louças foi criada. Não precisamos gastar horas limpamos móveis, pois a moda clean veio para nos poupar do excesso de objetos. Nem mesmo cuidamos de nossos animais de estimação, porque existem lojas pra isso. Enquanto vamos ao cinema ou deixamos os filhos no colégio, nossos cachorros e gatos tomam banho, são tosados, voltam cheirosos e com lacinho, e mais uma vez nosso tempo é poupado.

       O tempo é prático até mesmo em grandes empresas, quando reuniões são feitas por vídeo-conferência, poupando horas de viagens e contratempos dos funcionários. Por que, então, estamos sempre correndo? É culpa dos terremotos, que alteram milimetricamente a órbita da terra, segundo cientistas, fazendo com que os dias passem mais rápidos? É culpa das nossas milhões de futilidades, que há décadas atrás eram absolutamente dispensáveis? Afinal, quem já não correu pra casa pra ver o último capítulo da novela, ou ficou olhando incessantemente para o relógio, no trânsito, porque ia perder a final do Brasileirão ou a eliminação do Big Brother? Será que aproveitamos bem o nosso tempo?

        O próprio tempo é mutável, podendo ir de muito longo a muito curto num mesmo dia. Quer ver? Imagine aquela aula chata, daquele professor chato, numa quinta-feira à noite. O tempo é muito lento, cada minuto parece durar quinze. Mas, assim que você sai da aula e vai sair com os amigos, logo já são duas da manhã, e você tem que ir dormir, pois trabalha cedo no dia seguinte. Aí, o tempo vira curto, passa num piscar de olhos, assim como durante as férias, ou no final de semana. Então, será que o tempo muda de acordo com o nosso próprio humor?

        O tempo tem sido tema de considerações de diversos autores durante muitos séculos. Cito aqui um trecho de Henri Bergson: “Qual é o papel do tempo... O tempo impede que tudo seja dado imediatamente... Não é ele o veículo da criatividade e da escolha?Não é a existência do tempo a prova da indeterminação da natureza?” Aqui, o autor também reflete sobre a finalidade do tempo. Como o tempo é contado, quem o conta? O tempo, aparentemente, está a mercê de nós mesmos, nós decidimos se ele está passando rápido ou devagar. E isso é estranho, já que os dias passam igualmente para todos nós. Não é?

        E você? Como você conta o seu tempo?

Fausto



      Fausto entrou na sala com a calma que lhe era amiga. As paredes com tapeçaria importada e os móveis caros combinavam com seu humor. Os castiçais e abajures iluminavam o ambiente, criando sombras que brincavam com as estampas nas paredes. Sua parte favorita do cômodo. As cores se misturavam como se pertencessem umas às outras. Dourado, amarelo, vermelho... Vermelho, a cor da sua alma. Relíquias dos lugares visitados estavam na estante. Tantas lembranças se amontoavam num flash, que ele sentiu-se num trailer de filme. Sorriu.

        Ele continuou seu caminho até as escadas que o levariam a ela. O vitral deixava entrar pequenos feixes de luz, criando um espetáculo particular, como as luzes de um show de música. Ele subiu pelos degraus de pedra e podia ouvi-la gritar. Achava que a essa altura ela teria cansado, mas ela continuava a pedir ajuda, mesmo sem ninguém por perto. Fausto sentia as batidas do coração dela como se este estivesse sob seus dedos. Estava quase enfartando, com a adrenalina. Assim era melhor, o sangue saía mais fresco.

        Ele abriu a porta do quarto e ela se encolheu mais na parede. Estava histérica, despenteada, e com as roupas molhadas de suor. Nem um pouco parecida com o anjo que ele encontrou horas atrás. Tão facilmente enganável, como todos os humanos; ansiando tanto por contos de fada que acreditavam em qualquer baboseira que lhe diziam.  Aproximou-se, o coração dela criando músicas incríveis. Ela gemia de medo. O luar batendo no rosto do imortal deu-lhe uma aparência desagradável, mas a lua apenas revelava o monstro que ele era. E agora ela saberia disso.

       Fausto deu mais um passo em sua direção e ela levantou para se defender, mas tremia tanto que mal conseguia se manter em pé. Chorava e rezava baixinho, embora ele pudesse ouvir cada palavra. Ela não parecia muito religiosa, mas geralmente os deuses só eram necessários quando os humanos precisavam deles. Mas ninguém, exceto ele, podia livrá-la de seu desejo. Ele utilizou seu tom mais doce para tranquilizá-la. “Está tudo bem. Acalme-se”. Geralmente era tudo rápido, ela não sofreria muito. Mas, seu cheiro era tão doce que talvez ele não se controlasse. Provaria como prova um vinho desconhecido, sem demora. “Tão bom quando não temos que nos preocupar com a ética!”, ele pensou.

          Aos poucos, foi chegando perto dela, conforme seus gemidos de pavor aumentavam. Isso dava mais ânimo a ele. Mas, quando nem ele acreditava que era possível um humano surpreendê-lo, ela o fez. Sacou de trás da calça um pedaço de espelho, que ela deve ter escondido bem quando quebrou o quarto de sua casa, tentando se livrar dele. Ela avançou sobre ele e cravou a arma improvisada em seu pescoço. Ele urrou de dor e caiu sobre os joelhos, abrindo espaço para ela escapar. Ela correu para as escadas, com o sangue dele nas mãos. Tropeçou e quase caiu. Ele se levantou, sentindo o corte no pescoço. “Fascinante!” ele disse, rindo. Ouviu-a lutar contra as trancas pesadas do portão e vencê-las; saiu correndo pelo jardim, gritando por socorro. Fausto foi até a janela e sorriu, pulando no gramado. Esperou um pouco para dá-la vantagem, e correu em sua direção. Naquela noite, ele faria dela sua esposa. Para sempre.
       
        

A festa da Dona Júlia



         Estava estudando quando o telefone tocou. O copo em que bebia espatifou-se no chão ao som da notícia. “Não, não pode ser!”; a mão à boca personificava o espanto. Vovó enfim descansara, depois de tanto tempo como inquilina do hospital. Tudo o que ela desejava era morrer dormindo, sem sofrimento. Pelo menos isso ela teve.

        A família deveria se reunir em uma hora na capela do Padre Cícero. “Vovó odiava funerais”, pensei. Ela costumava dizer que quando morresse queria uma festa bem barulhenta, pra avisar São Pedro que estava chegando. Ainda no hospital, ela fez uma lista das coisas que queria, caso fosse embora. Escreveu: “churrasco, cerveja, a banda do Dudu, a filha da Nice e as crianças.” Geralmente ela não gostava de crianças em funerais e enterros, mas ela disse que fazia questão de todos os netos e bisnetos no dela, pra garantir que não ia ter ninguém chorando. O Dudu tinha uma pseudo-banda de rock, que a vovó sempre apoiava. Na verdade, acho que ela era a única. E a filha da Nice é aquela prima louca que todo mundo tem. Escandalosa, que fala gritando e puxa todo mundo pra dançar. Toda família tem uma filha da Nice.

        Disse pra minha mãe que não chegaria a tempo do funeral, que ia direto pra casa do Tio Marcos. Tinha que esperar o próximo ônibus no terminal, ainda. Coloquei um vestido claro que vó Júlia gostava. Essa era outra das condições dela: nada de preto, todo mundo com roupa colorida. Um nó apertava minha garganta. “Não acredito que ela não vai estar lá”. Saí para o terminal lembrando o último dia em que a vi, no hospital. Em nenhum momento ela tinha cara de doente, fazia questão de passar batom e ajeitar o cabelo, que gostava de pintar de roxo. A última coisa que ela me pediu foi pra que eu terminasse a faculdade, porque ela queria ver a minha formatura de onde estivesse.  

      Cheguei na casa do Tio Marcos e ele abriu a porta rindo. O cumprimentei e entrei na sala, onde todos os meus tios estavam falando alto, com copo de cerveja na mão, vendo um jogo na tevê. Vi pela janela que meus primos estavam todos no quintal, brincando. Fui pra cozinha, onde as tias fritavam bolinhos de chuva.
- Nina! Você veio! – Tia Regina gritou.
- Claro, tia. Não podia faltar.
- É que eu falei que você tinha prova da faculdade. – minha mãe disse, me abraçando.
- Como essa menina tá crescida. Nasceu outro dia e já tá morando sozinha! – Tia Luiza sempre fazia questão de lembrar de quando eu era criança.
- É alojamento, tia. Tem muita gente lá.
       Ela se aproximou e cochichou:
- É, mas pelo menos você tá longe da sua mãe, né? Eu sei que ela pode ser bem chata. Eu cresci com ela... – Tia Luiza era aquela que fazia os outros rirem. Era a minha tia preferida.
- Vai lá falar com as crianças, Nina. Eles perguntaram por você – minha mãe falou.

        Mal coloquei o pé no quintal, e fui recebida por um jato da mangueira com que os meninos estavam brincando, distraídos.
- Nina! Nina! – Paulinho gritou, fazendo todo mundo correr pra cima de mim. Caí no chão e ficamos rindo e rolando pela grama molhada. “Lá se vai o vestido favorito da vovó”, pensei. Por um momento, lembrei que era por causa da morte dela que estávamos ali, e fiquei triste. Era sempre por causa dela que a gente se reunia. Era ela quem ligava pra todos e marcava os encontros. “Esse é o último que ela arranjou”. Não consegui segurar as lágrimas. Maria Clara deitou do meu lado e me abraçou.
- Fica assim não, prima. Ela também tá rindo. – ela disse, me surpreendendo. “Como é que ela sabe por que eu tô triste? Será que ela tá assim também?”.
- Ô criançada! O lanche tá pronto. – Tia Zuleika chamou. E lá foi todo mundo correr pra dentro de casa, fazendo as mães brigarem, pedindo que se enxugassem, que iam escorregar, que iam sujar o chão limpo e tudo o mais que as mães geralmente gritam. Tinha esquecido de como sentia falta disso. Tirei a sandália e enxuguei o pé antes de entrar; não queria levar bronca também.

        A mesa grande da vovó estava cheia de garrafas de refrigerante, potes com bolinho, guardanapos e copos sujos dos tios da sala. Em meio à zona das crianças e as broncas das mães, eu conseguia ouvir meus tios xingando o juiz e comentando o jogo. Cada um era um pouco técnico. Era engraçado ver como eles interagiam com a tevê, como se os jogadores fossem ouvir seus conselhos e palavrões. Minhas tias faziam o mesmo com as novelas...
- Ô Ricardo, dá pra desligar esse troço e vir comer, homem? Comida é sagrada, sabia?
- Peraí, Zuleika, tá acabando o segundo tem... GOOOOOOL!!! – e começou a gritaria. Eles levantaram do sofá, pulando, e meus primos saíram correndo pra comemorar junto. Miguel derramou refrigerante na blusa da Nayara, que começou a chorar. A confusão estava armada. Lembrei da vovó, que ficava encostada na porta, vendo a família fazendo festa. Seu último desejo foi atendido. Não tinha ninguém chorando. Não tinha ninguém de preto. A família Silva hoje era um misto de cores e vozes e risos e lágrimas, seja por saudades dela, seja pela vitória na Libertadores. Ergui meu copo e sussurrei: “Obrigada, vovó”, e fui gritar “É campeão!” junto com todo mundo. Afinal, família é pra essas coisas.

       
        

Relatos de um encarcerado


Texto inspirado na greve dos bombeiros.


    Abro os olhos e vejo uma mistura de vazio e multidão. Cela apertada, gente demais, mas ninguém ali era conhecido meu. Todos desfocados pelo suor de um cubículo sem ventilação; todos unidos pelo crime, cometido ou não. Alguns são tão pobres que nem o nome sabem escrever. Outros têm dinheiro bastante para sair dali na próxima semana. Nunca se sabe quanto tempo se fica e em quanto tempo se sai. A cela é uma inexatidão.

Tento me mexer, a cama geme, todos me olham, e logo desisto. Nem pra me virar dá. O estômago grunhe, grita por comida. Mais tarde tem sopa, se eu me comportar. Minutos depois ele embrulha, porque o amigo do outro lado resolveu usar o “banheiro”, e o cheiro inundou o lugar. Pior é depois do jantar. Descarga é só em casa de rico, na cadeia, a merda fica lá.

Penso no mundo lá fora, na família que deixei em casa. Minha mulher deve estar preocupada, ou acampada em algum lugar, lutando por nós. Na tevê devem estar falando mal da gente, como sempre, né? Ou será que estão agindo contra o Senhor Executivo? Não, acho que não. Eles nunca fazem isso... Meus filhos devem estar assustados, minha mãe... Pelo menos quando eu sair daqui eles terão orgulho de mim. Terão?
O sinal toca. Hora do banho de sol. Todos logo se amontoam. Esse é o momento que sempre dá confusão. Afinal, é a única hora em que a gente pode sair, mesmo que só por pouco tempo.

 Lá fora já estava lotado, acho que fomos os últimos dessa vez. Bolas de futebol improvisadas faziam a alegria dos aspirantes a Romário. Mas eu, não. Fico num canto e volto a pensar. Tenho pensado muito nessa semana. Pensei nos meus companheiros de corporação. Metade presos por não acatarem ordens absurdas.  Lembrei do meu superior, 62 anos, o maior exemplo que eu tive na vida. Ouvi que foi preso um dia depois de mim, e que, alguns companheiros que ainda estão soltos estão ajudando no Ato. O Ato. Não sei ao certo o que é. Queria saber o que tá acontecendo lá fora. Nunca prestaram atenção no salário da categoria, como é que vão brigar por mim? Acho que ninguém tá dando bola. Acho que eu mesmo não daria.

 Olhei pros caras que estavam presos comigo. Quantos dali também seriam inocentes? Quantos estariam ali porque não têm dinheiro pra pagar o juiz? Joca disse que nem tem previsão pra sair dali, só porque mora em comunidade e foi pego roubando leite pra dar pro filho. O salário mínimo no bolso não deu nem pro aluguel e agora ele tá aqui, sabe-se lá até quando. Absurdo. E ainda tem o Zé, que matou o cara que tentou abusar da filha dele e tá aqui há cinco anos. Deve ficar mais uns dez.

 Olho pra eles e percebo que eu nunca saberia disso se não estivesse aqui. Nunca me identificaria com um ladrão, se eu não soubesse o motivo que o levou a roubar e que, no fundo, ele é um pai de família.

O sinal toca de novo. Nossa, já passou uma hora? Todos fazem fila pra entrar na cela, enquanto um carcereiro separa uma briga começada do outro lado do pátio. Na cela, me espremo na parede do outro lado da cama. Rodízio. Agora é a minha vez de ficar em pé. Só vou sentar de novo amanhã. O jeito é dormir em pé.

TERÇA....
QUARTA...
QUINTA...

SEXTA. Manhã. Os carcereiros andam pelo corredor com o rosto diferente. Parecia um sorriso, mas não posso confirmar. Chamaram alguns nomes e abriram as celas. A gritaria e os aplausos começaram, mas, ninguém sabia o que estava acontecendo. Pereira, o mais alto, diz: “Parece que soltaram vocês”, e o meu coração deu um pulo. Andar pra fora da cadeia, depois de tanto protocolo e burocracia, foram os minutos mais longos da minha vida.

Eram tantos flashes, microfone no rosto, que nem pude ver de onde eles saíram, só sei que não conseguia ver ninguém. Demorei uns três minutos até ver minha mulher. Estava abraçada com a Denise, mulher do Beto, reconheci pela foto, e veio correndo na minha direção. Depois vi os meninos, e minha mãe. Nenhum abraço ou beijo podia reduzir a falta que eu sentia deles. Tudo era por eles, e eu faria tudo de novo. Olhei em volta e vi uma multidão de faixas, blusas, carros passando com fitas vermelhas, e sabe o que fiz? Chorei. E sorri. E abracei. E beijei.

E ali eu percebi que a gente só aprende mesmo a ajudar alguém quando é a gente precisa de ajuda. Ver famílias de tantos colegas unidas, e pessoas que nem tem nada a ver com a gente, fazendo campanha pra que a gente fosse solto mexeu comigo. Minha mulher falou: “Agora vem, vamos pra casa”. E eu disse: “Não, vou esperar todo mundo sair. A gente entrou junto, vai sair junto”. Rumo à dignidade.


Ana Carolina de Oliveira.

Praça do poder


                              

           
 Praça principal.
Centro da cidade.
Gente, muita gente.
Pretos.
Brancos.
Mulatos.
Ruivos.
Amarelos.
Azuis.
Brasileiros.
Argentinos.
Venezuelanos.
Chilenos.
Câmera lenta.
Bandeiras voando.
 Faixas nos prédios.
 Polícia. Cordão de isolamento.
Helicópteros.
Inútil.
Ninguém quer violência.
Quer mudança. E dignidade.
Rostos pintados.
Camisas estampam a indignação.
Energia aumentando.
Movimento no prédio.
Tensão.
Corações pulsando em uníssono.
Relógios correndo.
10 horas. Como combinado.
Ele iria se render.
Gerações de mãos dadas.
Suor escorrendo no rosto.
Melhor do que uma vida embaçada.
Tambores rufando na mente.
Ele aparece.
O povo grita. Se alivia.
Flashes disparam.
Ele encara a multidão.
Olha pra baixo.
Escolta. Camburão.
Vivas. Palmas. Lágrimas. Abraços.
Vitória.
Mais uma.
Do povo...
...

Do Brasil.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O novo magistério

Queridos alunos,



O melhor presente que eu posso receber é vocês me dizendo o quanto gostam de mim, das minhas aulas e do jeito que eu trabalho. Dinheiro no mundo nenhum paga isso, principalmente numa profissão com tão pouco reconhecimento como a que eu fui escolhida a trilhar (sim, porque não a escolhi de primeira). Com suas palavras de carinho, sempre me levam às lágrimas!! E olha que eu sou chorona!!

Às vezes, é muito difícil quebrar a bur(r)ocracia, fazer diferente, e na Educação ainda existem certas diretrizes desatualizadas que colocam o professor num pedestal, tão distante do aluno, que uma comunicação de qualidade é praticamente impossível; esquecem que, no Magistério e na vida, tudo é uma troca. E o filtro afetivo garante aulas interessantes. Afinal, quem quer aprender a matéria daquele professor tão chato e carrancudo?

Saber que mesmo com (às vezes) estafa mental e física meus esforços valem a pena e que estou sendo observada pelas pessoas mais importantes da minha vida - meus alunos- me dá ânimo de continuar e a certeza de que dentre todas as profissões que já tive, apesar da pouca idade, Deus me colocou aonde eu deveria estar.

É com um coração transbordando de alegria que eu retribuo todos os elogios e manifestações de carinho que vocês sempre tiveram comigo, e aos meus colegas de trabalho que fazem parte da minha vida mais até do que a minha família.

Nossas aulas não poderiam ser um sucesso sem a participação ativa (até demais, né? rsrsr) de vocês. Cada aula que eu planejo, seja vestida de bruxa ou coelhinha, das brincadeiras mais absurdas até uma simples forca, é criada pra tentar facilitar a aprendizagem dessa língua às vezes doida, mas tão necessária, que é o Inglês. Ter meus alunos me abraçando porque conseguiram um emprego legal ou porque conseguiram nota boa em uma prova e me agradecendo pelas suas vitórias me emocionam. É tão gigantesco o impacto que a gente pode ter na vida de alguém, que é até difícil acreditar que uma profissão tão abençoada possa ser tão menosprezada.

Obrigada por dizerem em voz alta o que só no fundo do meu coração eu gostaria de ouvir. Obrigada por fazerem das minhas aulas as melhores (até vocês, alunos de segunda-feira, 8 da manhã, que mais dormem do que me dão atenção - eu amo vocês assim mesmo...rsrsrsr). Obrigada por me fazerem sentir que este é o meu caminho. Não sei se sozinha posso mudar o perfil do professorado brasileiro, e nem tenho a intenção. rsrsrs. Mas, se alguns dos meus alunos que serão futuros professores abraçarem a causa de um magistério mais humano, amigo e íntimo, eu ficarei feliz de ter tentado mudar a Educação do país. Se um dia se inspirarem em mim como eu me inspirei nos meus professores brilhantes, então eu terei feito meu trabalho. Afinal, eu não estou aqui só pra ensinar o Past Perfect ou o Verbo To Be. Estou aqui pra formar cidadãos, pra dar oportunidade de crescimento, pra levar conhecimento e alegria ao máximo de pessoas que eu puder. E, pelo visto, não sou a única a aderir à causa.





Estou sendo otimista demais? Megalomaníaca demais? Não sei, e nem me importa. Vocês são o futuro da nação, e são vocês que mudarão o mundo. E eu acredito nisso.



Viva a revolução educacional.

Viva o magistério.

Viva vocês. ♥