sábado, 30 de março de 2013

Sussurros ao vento

                   (Texto publicado originalmente o facebook da autora em 17 de maio de 2012)


       


      A preparação começa. O incenso se espalha. O rádio começa a tocar os batuques árabes do cd escolhido. As medalhas do lenço colorido chacoalham, já entrando no ritmo. Alongo os músculos, aquecendo-os, seguindo as batidas do derbak. A fumaça de almíscar já enebriava a sala e me tirava um sorriso do rosto. Meu cheiro favorito. Khadija estava vindo. Pego a espada e passo-a pelo corpo, energizando-me. Coloco-a na cabeça até achar o ponto de equilíbrio. Pronto. Os pulsos descem em movimentos sinuosos ao meu redor e imitam o redondo que faço com os quadris. 

       A meia-luz era perfeita, ajudava a entrar no clima marroquino. Já conseguia enxergar as dunas desenhando-se na parede. O sofá transformando-se numa tenda nômade e o abajur era a fogueira em torno da qual eu começava a dançar. A varanda com flores era agora o oásis onde os camelos dormiam. 
      O vento soprava e trazia areia, mas eu não sentia frio. Além da fogueira acolhedora, a dança me aquecia, de dentro pra fora. Os músicos tocavam só para mim. Um no derbak, outro no nai, um terceiro no tabla baladi e um último chorava as notas com uma voz intensa, porém doce. Única. 
   Outro sopro sussurrou: Khadija. 
      O tocador de derbak começou a sequência: 1-2-3-1-2-1-2-3-1-2... o quadril obedecia, a espada ainda na cabeça, devidamente equilibrada. Rodava aos sons sedutores, imitava os movimentos da cobra, da água, do fogo, da terra, e todas as representações da natureza que a dança do ventre permite. Tirava a espada da cabeça, brincava com ela em torno do corpo, colocava-a na cintura, no ombro, na mão, na perna, de novo na cabeça e então no chão. As batidas desaceleraram e um último sopro nos cabelos me fez abrir os olhos. 
      O abajur ainda estava ligado, intacto. O incenso estava na metade. Ainda dava para outra música. Vou ao rádio para trocar o cd. Egito, Líbia, Marrocos de novo, Índia, Síria. Não, Síria, não. Hoje quero Egito. Adoro dançar aos pés das pirâmides. Coloco o cd. Espada de novo? Não. Escolho o véu. Azul, verde, amarelo. Pego um laranja, quase vermelho, da cor que a minha alma estava. Fecho os olhos e sorrio, me preparando para a viagem. 
      Essa noite seria especial.
 

Derbak: instrumento de percursão.
Nai:instrumento de sopro, parecido com uma flauta.
Tabla baladi: parecida com a "zabumba" brasileira.

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