domingo, 5 de dezembro de 2010

A esquina

          Viro a esquina e me deparo com um senhor vestido em trapos, mal-cheiroso, descalço, balançando uma caneca à sua frente. Uma placa no chão diz: "Me ajude a ver a esperança". Olho pra seu rosto e percebo que ele é cego. Seus olhos estão envoltos num pano tão sujo quanto qualquer outro em seu corpo. As moedas jogadas insensivelmente em sua caneca fazem um barulho que aos poucos enlouquece. Como ele aguenta tanto tempo? Olho meu jornal e a manchete chega a ser ridícula. "Governador indiciado por desviar verbas da Previdência". "Não me diga", penso, revirando os olhos. Apesar da pasta numa mão e o jornal com o café em outra, procuro nos bolsos o troco da manhã. Acho umas moedas perdidas no paletó e as coloco na caneca. O barulho chama a atenção do idoso, que as retira do recipiente e tateia, tentando identificar seu valor. Sinto-me mal. Abro a carteira, com dificuldade, e retiro uma nota de pequeno valor. Vou em direção a ele, pego sua mão, ele se assusta. "Calma, senhor, quero lhe dar uma coisa", e coloco o dinheiro em sua palma. Deixo ao seu lado, também, meu copo de café. Vejo-o levantar as sobrancelhas, curioso. Pega o café com desconfiança, mas a fome fala mais alto: ele bebe. Sorri. Eu sorrio de volta. Olho o relógio e meu coração dispara. Vou chegar atrasado ao trabalho. Atravesso a rua correndo e entro no Fórum.

           Mesmo horas depois de trabalho intenso e dias de correria, a imagem daquele mendigo não me saía da cabeça. Passei a encomendar dois pratos de comida; um pra mim e um pra ele. O boy da empresa se encarregava de entregar e, da janela do meu escritório, via-o comer rapidamente a solidariedade que alguém lhe enviara. O sorriso que se instalava em seu rosto era impagável. Tão pouco o fazia sorrir! Ele devia se perguntar quem era a boa alma que o alimentava. EU me perguntava quem era aquele homem que mudara meus conceitos e meu modo de enxergar o mundo. Porque, no fim, das contas, ele não estava ali por acaso; o tapa na cara com luva de pelica que me deu foi mais poderoso do que qualquer lição que a vida poderia ter me dado. Afinal, fora ele quem me fizera ver a esperança, fora ele quem mudara a minha vida, e não o contrário.

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